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Engolia todas as
dores. E já se acostumara. Não havia dor que não estivesse
acostumado a engolir. Todas. Friamente às engolia. Às vezes
mastigava-as. Lentamente. Tudo ao seu redor era lento. Denso. Tudo era denso.
Densidades estratificantes que lhe cobriam, envolviam Os movimentos eram
raros, da cama ao assento frente a parede que não se abria em janela,
mas que se fechava Comia dores e bebia
chimarrão. Amargo e quente. E não escuta o rádio. Mas
sempre ligava o aparelho. Uma estação além das vozes
chiava dialetos singulares e vetustos. E seus olhos por breves instantes
pareciam brilhar. O tempo era impreciso,
já não era possível determinar se era presa de Kronos ou
Aion, ou se decidira deixar o corpo para um e o resto para o outro. Mas parecia
que já havia preenchido seu quinhão de real com várias
toneladas de memória e delírio. Pelo substantivo
louco, era definido pela família. Nunca apareciam, mas pagavam uma funcionária
para limpara o pequeno apartamento. Ela chegava lépida, faceira,
pequenas e infames piadinhas nos lábios, barriga volumosa e satisfeita,
espantando fantasmas e poeira com seu espanador encantado. Ele ordenava a sua
máscara que forçasse um sorriso. Cordialidade. E o que saia era
uma careta engraçada que fazia a mulher sorrir e dizer mais besteiras. A funcionária era um vento. E soprava com força todo o silêncio e
a solidão do espaço do homem, mas quando saia, a gravidade
puxava-os para baixo. E ele realmente não sabia se gostava do agora ou
do antes. “O que
estás vendo?” às vezes a mulher perguntava e ele respondia
que via a cidade da memória. E ela ria. Aquecia mais água para a
térmica, perguntava se ele não queria trocar a erva. “Uma
carteira de cigarro” ele dizia, mais que pedia. “Eles disseram que
você não pode fumar” e ele sorria. E ela trazia a carteira e
ele incendiava o lugar. O fósforo incandescente por segundos frente aos
olhos e em seguida a fumaça se esvaindo e abraçando o ar em valsa
erótica. Lascívia. “Eles se amam.” Ele dizia.
“Quem?” perguntava a mulher. “A fumaça e o ar.”
A gargalhada era dela, o silêncio dele. “Você é
esquisito mesmo, hein?” “É.”, dizia o verbo pensando
na conjunção “e”. Este era o problema. A finitude das
coisas e de si mesmo começavam a lhe causar estranhamentos. Gostaria de
se ligar a outra oração, acrescentar eternamente. O meio das
coisas. O verbo ser. A palavra “é” definia, estagnava e
prendia tudo que não deveria ser nas estruturas sedimentares do “é”.
O ser. Ria desta suposta
unidade. E se esvaia |
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